Apenas metade dos estados brasileiros contempla educação infantil no orçamento

De 26 estados analisados, 13 tratam de provisões orçamentárias que podem ser relacionadas à ampliação de vagas em creches e pré-escolas. Confira levantamento do Instituto Articule, que foi destaque na Folha de S.Paulo

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Apenas um estado, o Mato Grosso, trata de ações que podem ser relacionadas direta ou indiretamente à construção de escolas de educação infantil e/ou ampliação de vagas na etapa nas três leis orçamentárias aprovadas entre o final de 2023 e início de 2024. De 26 estados analisados, metade deles aborda a questão em pelo menos uma peça do orçamento estadual. As informações são de um levantamento elaborado pelo Instituto Articule com o objetivo de mapear indícios concretos da colaboração dos estados para com os municípios na oferta de educação infantil. O material foi destaque no jornal Folha de S. Paulo, confira o link abaixo.

Para chegar a esses dados, o Articule pesquisou as palavras-chave creche, pré-escola, educação infantil e primeira infância no Planos Plurianuais 2024-2027(PPAs), nas Leis de Diretrizes Orçamentárias 2024 (LDO) e nas Leis Orçamentárias Anuais 2024 (LOA) de 26 unidades da federação – apenas o Distrito Federal não foi contemplado, por ter em sua atribuição as funções tanto do estado como do município na educação. 

Além do Mato Grosso, o Piauí menciona creche e primeira infância nas três leis orçamentárias, mas, na LOA, direciona os recursos para a pasta de assistência social e não da educação (critério utilizado pela metodologia do estudo) e, portanto, não foi considerada. Também tiveram menções não consideradas as LOAs do Paraná e de Alagoas, por não conterem informações suficientes para classificação. Esses estados, no entanto, apresentaram menções em outras peças legislativas que podem ser relacionadas direta ou indiretamente à construção de escolas de educação infantil e/ou ampliação de vagas na etapa. Além destes, também trazem esse tema em pelo menos uma peça orçamentária: Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Pará, Roraima, Espírito Santo, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Entre os 13 estados que não contemplam a expansão da educação infantil em seus orçamentos, um deles, o Amazonas, teve a menção desconsiderada por ser muito restrita e não direcionada à pasta da educação e 12 não mencionam nenhuma das palavras-chaves em nenhuma das três leis: Acre, Amapá, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

De acordo com Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule, o apoio dos governos estaduais para a garantia do direito à educação infantil é essencial para avançar nessa temática. “Ainda que  os estados tenham atribuição prioritária nos ensinos fundamental e médio e os municípios na educação infantil e fundamental, isso não afasta a necessária cooperação federativa, técnica e financeira, como prevê a Constituição Federal. Colocar a educação para a primeira infância no orçamento é uma sinalização importante do compromisso em torno dessa colaboração”, afirma.

No geral, Mato Grosso, Alagoas, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Pará, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul apresentam menções específicas para ampliação e/ou construção de creches e pré-escolas em pelo menos uma das leis orçamentárias.

Entre os estados que apresentam ações específicas e os que não tratam do tema, o levantamento identificou aqueles que o abordam de forma genérica, isto é, mencionam uma ou mais das palavras-chave pesquisadas (creche, pré-escola, educação infantil e primeira infância), porém não indicam ações específicas de construção ou ampliação de creches: no caso da LDO foram 2 nessa situação, e nas LOAs e PPAs, 3.

As LOAS são as peças que apresentam mais informações sobre a contribuição do estado para com a educação infantil, uma vez que são elas que vão, efetivamente, orientar o gasto público no ano corrente. “Temos um cenário de urgência na educação infantil, uma etapa tão fundamental para o desenvolvimento integral das crianças, mas que ainda não está ao alcance de todas elas. Gostaríamos de ver mais estados com ações específicas para apoiar os municípios nesse sentido e esperamos que as leis orçamentárias de 2025 contemplem mais esse tema, já que priorizar, muito mais do que trazer no discurso, é colocar no orçamento”, complementa.

Confira aqui a tabela detalhada do levantamento.

Leia a reportagem da Folha de S.Paulo baseada no levantamento.

União de esforços para colocar a educação infantil no orçamento

Para sensibilizar o Poder Legislativo estadual sobre a importância de considerar a educação infantil no orçamento, o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política pública de Educação no Brasil (Gaepe-Brasil), iniciativa coordenada pelo Instituto Articule,  acionou as Assembléias Legislativas Estaduais de todo o país reforçando  que os recursos previstos nas leis orçamentárias podem assegurar a expansão e melhoria do atendimento educacional, por meio de construção e a manutenção de unidades escolares, formação continuada docente e aquisição de materiais pedagógicos.

A ampliação de vagas, principalmente em creches, é um desafio e uma necessidade no Brasil. Conforme dados do Censo Escolar 2023, divulgados neste ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), o Brasil precisaria de mais 900 mil matrículas até o final de 2024 ano para cumprir cumprida a meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê ao menos 50% das crianças de 0 a 3 anos na escola.

No Mato Grosso, único estado que aborda a educação infantil nas três leis orçamentárias, o diálogo com o Legislativo foi além do envio de comunicados oficiais, após um levantamento do Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação do Mato Grosso (Gaepe-MT) apontar um déficit de quase 15 mil vagas em creche nos municípios matogrossenses. O dado motivou uma forte mobilização para que a Assembleia Legislativa do estado garantisse rubricas específicas para a construção e ampliação de creches no orçamento estadual. O resultado foi o conjunto de leis orçamentárias mais detalhados a respeito desse tema, entre as unidades da federação. 

Em Rondônia, Goiás e Piauí, estados que possuem Gaepes instalados, levantamentos recentes junto às secretarias municipais de educação também apontaram demanda não atendida na educação infantil. Em Rondônia, em novembro de 2023, foi identificada a necessidade de 3.127 vagas para a população de 0 a 3 anos, e no Piauí, 1.614. Em Goiás, dados de 2024 mostraram que é preciso ampliar o atendimento para quase 38 mil crianças de 0 a 3 anos em creche, e ainda garantir o acesso a mais de 7 mil crianças de 4 e 5 anos à pré-escola – etapa que é obrigatória desde 2016.

Com a decisão do Supremo Tribunal Federal que confirmou o que está posto na Constituição Federal, reforçou-se a obrigatoriedade do poder público em ofertar educação infantil para todas as crianças – às que precisam, no caso das creches, e a todas as de 4 e 5 anos no caso da pré-escola. Apesar da determinação, os municípios têm enfrentado desafios em garantir o direito à educação infantil devido às dificuldades técnicas e econômicas  – e por isso a colaboração dos estados é fundamental. “Não podemos esquecer que os objetivos da República Brasileira, portanto a bússola de todos poderes e entes federativos, é construir uma sociedade justa, garantir o desenvolvimento nacional e o bem de todos, para o que a educação é fator fundamental”, conclui Alessandra.

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Metodologia do levantamento

As informações foram levantadas pelo Instituto Articule por meio da pesquisa direta nos textos das leis orçamentárias disponibilizados pelas Assembleias Legislativas Estaduais e Diários Oficiais, considerando as versões finais disponíveis publicamente para os 26 estados brasileiros. O Distrito Federal não foi considerado, por ter atribuição cumulativa de estado e município, sendo responsável pela educação infantil no seu território. Foram pesquisadas as palavras “creche”, “pré-escola”, “educação infantil” e “primeira infância”, no período de 01 de fevereiro a 20 de março de 2024.

A pesquisa classificou os achados em três categorias: 

  • “Faz menção específica”: a legislação cita uma ou mais palavras-chaves pesquisadas e especifica ações relacionadas a elas, como instalação, manutenção, construção e ampliação de creches e pré-escolas, expansão de vagas de educação infantil, entre outras.
  • “Faz menção genérica”: a matéria menciona termos pesquisados, mas sem associar ação específica, como “Promoção do desenvolvimento integral da primeira infância”; ou, ainda, colocam como resultado a implantação de creche e pré-escola em meio a outros possíveis, ficando dúbio se haverá esforço nesse sentido.
  • “Não trata do tema” ou “Não considerada”: quando a legislação não aborda nenhuma palavra-chave pesquisada ou quando a abordagem se refere a uma ação muito restrita, não relacionada à pasta da educação infantil ou sem informações suficientes.

O PPA, a LDO e a LOA são as legislações orçamentárias que regem o gasto dos governos no Brasil. Elas são elaboradas pelo Poder Executivo e precisam ser aprovadas, podendo receber alterações, pelo Legislativo. O PPA traça a estratégia orçamentária que será seguida por quatro anos, com vigência a partir do segundo ano do mandato do governo eleito. Já a LDO é discutida anualmente e é uma ferramenta de planejamento, que orienta a elaboração da LOA, uma peça orçamentária mais detalhada, que estipula as receitas e define valores a serem gastos pelo governo ao longo do ano.

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