A batalha jurídica em torno do corte etário foi encerrada na última semana. Dividido até o último momento, o STF decidiu, por 6 x 5, que as crianças devem ingressar no ensino fundamental e na pré-escola, respectivamente, com 6 e 4 anos completos até o dia 31 de março do ano de sua matrícula, confirmando a constitucionalidade das resoluções nº 1 e 6/2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – CNE.
Não há mais dúvidas agora de que a norma do CNE deve ser seguida pelos Estados e Municípios e aplica-se indistintamente à rede pública e privada. Com a decisão do STF, fica esclarecido que o corte etário é de fato uma norma geral de educação, cuja competência é privativa do CNE. Ninguém mais questiona também que a regra é vinculante para a rede pública e privada. Sobre sua aplicabilidade às escolas privadas, não custa ressaltar que o STF, em decisão sobre a obrigatoriedade das escolas privadas garantirem a educação inclusiva sem cobrança de valores adicionais (ADI 5357), deixou muito claro que, embora o serviço público de educação seja livre à iniciativa privada, independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes econômicos que o prestam possam atuar ilimitadamente ou sem responsabilidade, cabendo-lhes, dentre outras coisas, cumprir as normas gerais de educação nacional.
Mas há uma incerteza que tem mobilizado a comunidade escolar em virtude de não se saber quanto tempo levará para ser redigida e publicada a decisão (acórdão) dos julgamentos concluídos pelo STF, que a tornará vinculante para todos os Tribunais e a administração pública em todos os níveis.
Como muitos entes da federação não adotam a regra do CNE, em função de leis próprias, resoluções de Conselhos Estaduais ou Municipais ou mesmo decisões judiciais, escolas e famílias não sabem ao certo se a decisão do STF atingirá as crianças que já estão na escola, criando uma dúvida sobre o próximo ano letivo. Para eliminar angústias e incertezas, é recomendável que o CNE elabore o quanto antes uma regra de transição, em coordenação com os demais Conselhos de Educação, para balizar os sistemas de ensino com foco no melhor interesse da criança, evitando a retenção e separação dos colegas de turma que venha a trazer prejuízos. A urgência dessa diretriz decorre do fato do calendário educacional ser orientado pelo ano letivo e da maioria das redes e escolas iniciar o processo de matrícula para o ano subsequente em torno do mês de outubro.
Vale lembrar que à época, as resoluções do CNE de 2010 previram uma regra de transição para garantir o prosseguimento do percurso educacional das crianças que não observavam o corte etário, com a adoção de medidas de acompanhamento e avaliação do desenvolvimento global da criança, em diálogo com as famílias. Acredita-se que a adoção de uma regra que traga segurança às famílias neste momento e garanta, excepcionalmente, às crianças que, em 2019, ingressariam na pré-escola ou iniciariam o 1º ano do ensino fundamental o direito de prosseguir sua trajetória acadêmica, é medida necessária e urgente. Com a decisão do STF, a regra do CNE passaria a vigorar, assim, em sua plenitude, em todo território nacional, para as crianças que iniciarem sua trajetória na educação infantil no curso de 2019, não atingindo, portanto, o percurso educacional daquelas que já tenham ingressado nesta etapa anteriormente.
A comoção social em torno deste assunto deixa, porém, uma reflexão a ser feita: qual o real benefício para as crianças da antecipação do seu ingresso no ensino fundamental? Estudos comprovam que a ânsia dos pais em ver os filhos mais cedo nesta etapa pode comprometer a motivação das crianças em aprender, por falta de preparo para vivenciá-la, e dificultar seu processo de aprendizagem nas etapas subsequentes. Na era da informação, a ansiedade por adquirir conhecimentos, com velocidade e de forma exponencial, está sendo projetada para as crianças, deixando-as sem tempo de ser crianças. Fica a reflexão como tarefa de casa.
Alessandra Gotti – Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. É fundadora e Presidente Executiva do Instituto Articule. Foi consultora da UNESCO e Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação – CNE e é sócia-efetiva do Movimentos Todos pela Educação