UMA AGENDA 4.0 PARA A JUSTIÇA SOCIAL

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Muito se tem discutido sobre a 4ª Revolução Industrial. Marcada pela tecnologia da informação, a inteligência artificial, a internet das coisas e a aprendizagem de máquinas, o diferencial dessa nova revolução é o uso massivo de dados para criar redes inteligentes em toda a cadeia produtiva, que não apenas a controlem, mas possuam a capacidade de aprender, adaptar e corrigir situações de ociosidade e falhas na produção.

Atento aos desafios do setor produtivo, o governo lançou este ano a “Agenda Brasileira para a Indústria 4.0” para que as empresas possam se estruturar e manter a competitividade. Pouco se tem discutido, entretanto, sobre o impacto da nova revolução em curso no plano social.

Como se apropriar da revolução digital para reduzir desigualdades sociais? De que modo a inovação poderá contribuir para o aprimoramento das políticas públicas sociais? Como assegurar que nossas crianças e jovens estejam preparados para essa nova revolução? Essas são perguntas que precisam ser enfrentadas com urgência.

Posicionado dentre os 10 países mais desiguais do mundo, o Brasil possui quase 12 milhões de analfabetos e mais da metade dos adultos entre 25 e 64 anos não concluíram o ensino médio. São 2,5 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola e, para aqueles que tem acesso à educação, a efetiva aprendizagem é um grande desafio: apenas 7,3% que concluem o ensino médio adquirem conhecimentos adequados em matemática e conseguem resolver problemas de porcentagem, por exemplo.

O Estado, assim como uma grande empresa, precisa estar apto a, não somente gerenciar as políticas públicas, mas, sobretudo, retroalimentar o seu ciclo estrutural a partir da análise de dados, fazendo correções no seu desenho. A revolução digital pode trazer benefícios imensuráveis para o campo das políticas sociais. Exemplifiquemos com a garantia do acesso à educação infantil.

Defendida por James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, como uma estratégia fundamental de combate estrutural à pobreza e as desigualdades, a educação infantil é um desafio para os Municípios brasileiros. Das 6,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos sem vaga em creche, 33,9%, em 2017, eram de famílias com 20% de renda domiciliar per capita mais baixa do país, enquanto que esse percentual era de apenas 6,9% para o grupo de 20% de renda mais alta.

A tecnologia pode ser o caminho para induzir uma maior equidade no acesso à educação infantil, priorizando-se vagas para as crianças que mais precisam. O uso pelos Municípios da base de dados do CadÚnico, gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que reúne informações de 27 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade econômica, poderá mudar a realidade constatada pelo Tribunal de Contas da União, que identificou, em auditoria que envolveu Municípios de 17 Estados, que 45% dos gestores não sabem quantas crianças de 0 a 5 anos estão fora da escola e 47% deles não possuem critérios de priorização do acesso à rede de educação infantil, em razão da renda familiar. Essas informações são cruciais para o cumprimento da meta 1 (educação infantil) do Plano Nacional de Educação até 2024. Guiam o planejamento da expansão da oferta e orientam a equalização do atendimento educacional ao identificar as crianças que deveriam estar na escola, seja porque se inserem na faixa etária de educação obrigatória, seja em função da sua peculiar condição de vulnerabilidade socioeconômica.

Da mesma forma como o uso massivo de dados no setor produtivo cria redes inteligentes na cadeia produtiva, a inovação na gestão dos dados oriundos do Poder Judiciário pode trazer esse impacto no campo das políticas públicas. Os dados estão lá, mas, para possibilitar o diagnóstico preciso do perfil das ações judiciais ao longo do tempo, de forma georreferenciada, é preciso minerá-los e tratá-los para que forneçam informações úteis a uma gestão pública mais eficaz.  Um exemplo simples: a inexistência do assunto “creche” nas Tabelas Processuais Unificadas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que norteiam a catalogação das ações judiciais em todo território nacional, impede a sua exata quantificação. A precisa classificação desses dados é o primeiro passo para que possam ser usados como um “termômetro” das deficiências da política pública, permitindo correções de rumo no seu desenho pelo Executivo e análises prospectivas para uma concretização progressiva de direitos. Esses dados permitirão, ainda, que o próprio Judiciário avalie se o padrão de suas decisões tem contribuído para mitigar a desigualdade social no país.

Nessa época de mudanças abruptas, não se pode esquecer, sobretudo, de investir nas pessoas. Uma educação de qualidade que desenvolva o potencial pleno das pessoas e as prepare para um mundo em profunda transformação, a partir do fomento à criatividade, à inovação, à colaboração e à resolução de problemas, é o ponto de partida e de chegada de qualquer Agenda 4.0 que pretenda promover um salto quântico na área social.


ALESSANDRA GOTTI
Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. É fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule.

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