Ninguém duvida da importância de uma eficaz colaboração entre as esferas de governo para acelerar os resultados das políticas sociais, especialmente para a parcela da população em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica.
Se é intuitiva a necessidade dessa articulação para que a “máquina” de serviços públicos funcione a todo vapor e otimize recursos públicos, há uma outra “engrenagem” que fica no limbo e compromete de forma invisível a sua produção. Trata-se do diálogo com o Sistema de Justiça e os Tribunais de Contas, braço auxiliar do Poder Legislativo no controle externo da Administração. O esquecimento dessa “engrenagem” impacta dramaticamente a eficiência das políticas sociais e seu custo, a segurança jurídica para inovações no setor público e o potencial da entrega dos serviços públicos.
O Instituto Articule surgiu justamente da percepção de que é fundamental colocar “óleo” nessas engrenagens, por meio de um maior diálogo e articulação entre os três poderes, para trabalhar na potência máxima de produção.
Não há como ser diferente.
Em uma federação de dimensões continentais como o Brasil, a colaboração entre União, Estados e Municípios é fundamental. Mas isso não é suficiente. O Judiciário e o Legislativo também precisam estar na “mesma página” da agenda de resolução de problemas estruturais do país para avançar de forma sustentável, tanto econômica quanto socialmente.
Prova concreta desse nó invisível que afeta a entrega de serviços à população é a judicialização de vagas em creche. Se por um lado as decisões judiciais garantem direitos individuais, por outro lado, a atuação do Judiciário é pouco eficaz para solucionar as deficiências da macropolítica. A rigor as centenas de liminares e sentenças concedidas limitam-se a alterar a ordem cronológica da fila de espera (quanto ela existe), ampliando a desigualdade social no acesso a serviços públicos.
Uma solução adotada na cidade de São Paulo, que parte da metodologia usada pelo Instituto Articule, foi exitosa por dois motivos: 1. articular os atores envolvidos (Executivo, Sistema de Justiça, TCM e sociedade civil), criando uma via mais rápida para a discussão de como solucionar o déficit de vagas na educação infantil; 2. colaborar para a adoção de uma nova engenharia jurídica pelo TJSP ao decidir, lastreada no diálogo interinstitucional, com a criação de uma governança composta pelos mesmos atores, que a cada 6 meses se reúnem para monitorar os avanços e obstáculos na ampliação do acesso e garantia da qualidade da educação ofertada.
Quase 5 anos após essa decisão inovadora, a cidade de São Paulo, além de ter universalizado a pré-escola, superou a meta 1 do PNE, atingindo, em 2018, 61% de crianças de 0 a 3 anos atendidas em creches. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo constatou um declínio expressivo de novas ações judiciais, com uma significativa economia de recursos públicos. Esse saldo positivo é fruto do empenho de seguidas gestões municipais e, certamente, da articulação e do diálogo colaborativo entre os poderes.
Em época de restrições orçamentárias, é preciso avançar na construção de consensos não apenas entre as esferas de governo, mas também entre os três poderes. A criança, futuro de nossa nação, precisa estar no centro das soluções, ao invés de multifacetada no olhar de cada uma das instituições. Somente assim o nó que afeta a eficiência das políticas públicas e adia direitos fundamentais transitará da invisibilidade para a visibilidade.
Todos Pela Educação
09 de dezembro de 2019 | 14h49
*Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Advogada e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Consultora da Unesco e Conselho Nacional de Educação.