De um lado, um governo determina o retorno às aulas presenciais. De outro, o judiciário suspende a decisão, baseado em demandas de entidades representativas. Em um cenário como esse, estudantes, educadores e suas famílias têm de lidar com uma instabilidade ainda maior do que a já vivenciada em decorrência da pandemia de Covid-19. Essa cena foi retratada nos noticiários brasileiros inúmeras vezes, desde março de 2021, quando as escolas fecharam como medida de contenção do vírus.
Para apoiar a tomada de decisão da gestão pública na garantia do direito à Educação, de forma que as respostas aos desafios durante e após o período pandêmico sejam mais efetivos e sólidos, o Instituto Articule idealizou o Gaepe – Gabinete de Articulação para o Enfrentamento da Pandemia na Educação. A iniciativa é uma metodologia que cria instâncias de diálogo e cooperação entre atores envolvidos na garantia do direito à Educação com o objetivo de fomentar maior interlocução entre essas instituições de forma que possam ser propostas ações articuladas e pactuadas para a garantia do direito à Educação.
“Crianças e jovens são quem mais sofre com a falta de segurança jurídica das decisões da gestão pública na Educação, pois isso afeta diretamente o seu acesso a oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. E esse cenário de vai-e-vem pode ser resolvido com diálogo e pactuação entre todas as partes envolvidas na decisão, poupando estudantes e toda a comunidade escolar de mais instabilidade, e também recursos públicos”, afirma Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule.
Idealizada e coordenada pelo Instituto Articule, os Gaepes são operacionalizados em parceria com o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). Além do Gaepe-Brasil, instância que discute políticas públicas em âmbito nacional, três estados – Goiás, Mato Grosso do Sul e Rondônia – e o município de Mogi das Cruzes (SP), contam com Gaepes que atuam com foco nas políticas educacionais em seus territórios.
Cada uma das instâncias é alocada, para fins de formalização, em uma das entidades participantes. No caso de Rondônia, o Tribunal de Contas do Estado é o anfitrião. Em Goiás, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado e no Mato Grosso do Sul, a Secretaria de Estado da Educação. Já em Mogi das Cruzes, a entidade anfitriã é a Secretaria municipal de Educação. No entanto, todas as governanças são totalmente horizontais, sem qualquer hierarquia – o que confere a todos o mesmo espaço de argumentação. O Gaepe-Brasil. por sua vez, foi instalado pelo Articule, IRB e Atricon, e sua formalização com as demais entidades participantes vai ocorrer por meio da assinatura de um Pacto, cujo lançamento será na próxima terça-feira, 17/11, na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Retorno às aulas presenciais
O retorno às aulas presenciais foi um dos temas de maior atuação dos Gaepes. Instalado em abril de 2021, o Gaepe-Brasil, publicou um posicionamento com recomendações relacionadas ao tema e que se baseou em um estudo técnico, e também publicou uma manifestação em favor da antecipação da segunda dose da vacina a todos os profissionais da Educação – ambos documentos disseminados junto aos gestores públicos, órgãos de controle e do sistema de justiça, e também membros do legislativo.
No Gaepe-GO, em operação desde agosto de 2020, foram elaboradas e disseminadas recomendações para o planejamento de retomada e dimensionamento de aquisições de insumos e contratações de pessoal de apoio. Foi ainda produzida uma cartilha para o Planejamento da Volta às Aulas e criada uma ferramenta para facilitar a elaboração de protocolos de biossegurança. Conectividade:
No Mato Grosso do Sul, a instância criada em agosto de 2020 foi batizada de Comitê de Articulação para Efetividade da Política Educacional no Estado de Mato Grosso do Sul (Caepe-MS). A iniciativa apoiou a elaboração do protocolo para o retorno das aulas da rede estadual, utilizado como referência pelos 79 municípios, e também a elaboração da estratégia de monitoramento da implementação dos protocolos, de forma a apoiar o gestor escolar e conferir maior segurança a toda a comunidade escolar. Com essas medidas, em setembro, mais de 200 mil alunos já estavam retornando, em segurança, para as escolas, no estado.
No Gaepe-RO, o primeiro instalado (Abril 2020), foram definidas medidas de apoio do estado aos 52 municípios na compra de máscara e álcool em gel e busca ativa; a priorização dos profissionais da educação na vacinação e a antecipação da segunda dose; e também foram realizadas ações para definição efetiva do retorno às aulas presenciais em agosto, com diálogo direto junto aos municípios que ainda não haviam determinado data ou as tinham definido apenas para 2022. Como resultado, em Rondônia, todos os municípios fizeram adesão ao programa Fora da Escola Não Pode – iniciativa da sociedade civil em parceria com gestões municipais.
Já o Gaepe-Mogi, o mais recente, em funcionamento desde junho deste ano, além de também se manifestar (e articular junto ao município) a antecipação da segunda dose da vacina aos educadores, criou quatro grupos de trabalho focados em planejar, propor e acompanhar medidas para o retorno às aulas presenciais, focadas em quatro eixos: busca ativa, acolhimento, recuperação de aprendizagem e conectividade.
Conectividade
Além de se posicionar publicamente pela conectividade das escolas, estudantes e professores, de forma a contribuir com o debate público sobre o tema, representantes do Gaepe-Brasil solicitaram e tiveram atendida uma série de pedidos de audiências com ministros do Tribunal de Contas da União para apresentar dados sobre conectividade das escolas no Brasil e tratar da possibilidade de inclusão da contrapartida no edital. Foram feitos encontros com o relator do processo, ministro Raimundo Carreiro, com a presidente do TCU, ministra Ana Arraes, e com os ministros Aroldo Cedraz e Walton Rodrigues. Também houve contatos com outros membros da área técnica do órgão e com o Ministério Público.
Membros do Gaepe-Brasil também conseguiram uma audiência com o Ministro do Superior Tribunal Federal, Dias Toffoli, na qual expuseram argumentos contrários à liminar pleiteada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6926, pelo governo federal. Na peça, o Planalto pede a suspensão do prazo para o cumprimento da Lei 14.172/2021, que determina a destinação de R$3,5 bilhões para viabilizar a conectividade de estudantes e professores das escolas públicas – medida essencial para apoiar a Educação em meio a pandemia e garantir a possibilidade do formato híbrido de ensino ao longo dos próximos anos como política de reposição de aprendizagem, bem como a inclusão digital de milhares de estudantes
Agenda de políticas estruturantes
Além dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19, o País ainda tem que lidar com lacunas históricas relacionadas ao acesso, permanência e qualidade da Educação. Nesse sentido, os Gaepes têm começado a discutir uma agenda comum para tratar dessas questões.
O Gaepe Brasil, por exemplo, criou grupos de trabalho para discutir a efetivação do Novo Fundeb, que tem apresentado desafios aos gestores dos sistemas educacionais.
O Gaepe-RO, por sua vez, está debatendo medidas para garantir a ampliação, com qualidade, das vagas em creches nos municípios do estado, bem como políticas integradas de primeira infância. Para superar a falta de dados detalhados sobre o acesso às creches, por exemplo, o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia apresentou ao gabinete uma metodologia para estimar, com base em dados da Saúde. Por meio do cartão do SUS, apura-se o número de crianças por região e se cruza esses dados com informações sobre o número de vagas ofertadas, a partir de estimativas baseadas em dados do censo escolar. Isso permite saber se há número de vagas equivalente ao número de crianças em determinada faixa etária, em cada região.
Em Goiás, o Gaepe-GO promoveu uma capacitação específica em compras públicas para gestores e conselhos municipais de educação, e elaborou um diagnóstico aprofundado sobre as condições de conectividade de estudantes e professores do estado.
Impacto real do trabalho dos Gaepes
Às vezes é difícil trazer para o cotidiano das pessoas iniciativas que discutem políticas públicas. No caso da volta às aulas, por exemplo, esse impacto ficou muito evidente, como mostrou essa reportagem sobre a atuação do Ministério Público, a partir de decisões no Gaepe, em Rondônia.