Na reunião de 30 de junho do Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política de Educação no Brasil (Gaepe-Brasil), reunião ordinária de número 47 da governança, teve como pauta principal a discussão sobre políticas para a educação especial na perspectiva da inclusão.
Foram debatidos os desafios da educação inclusiva no Brasil com foco na garantia de infraestrutura acessível nas escolas, barreiras existentes e estratégias para assegurar ambientes educacionais acessíveis, seguros e inclusivos. A pauta busca promover o alinhamento entre as diferentes entidades que participam da governança e permitir a reflexão conjunta para fortalecer a implementação de políticas e práticas que garantam o direito à educação aos estudantes com transtornos, deficiências e mobilidade reduzida.
Ao abrir a reunião, Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule, provocou uma reflexão sobre a importância de avançarmos na garantia desse direito, para mudarmos o cenário de desigualdade imposto às pessoas com deficiência. “Quero só fazer também uma alusão já sobre o tema de hoje a um dado recente, divulgado do censo demográfico de 2022 pelo IBGE, que 21,3% das pessoas com deficiência são analfabetas. É um percentual quatro vezes maior que o da população sem deficiência. Entre pessoas com autismo, 46% não têm instrução ou não completaram a educação fundamental. É um dado bastante alarmante”, enfatizou.
Ampliação de esforços e recursos
A primeira apresentação foi de Liliane Garcez, coordenadora-geral de estruturação do sistema educacional inclusivo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi/MEC). Ela falou sobre os esforços e ações do Governo Federal para fortalecer a educação inclusiva no Brasil, com ênfase na acessibilidade infraestrutural e equidade.
Entre os pontos de sua fala, Liliane mencionou a elaboração de um Marco Referencial de Equidade Educacional, que trabalhará com a definição de Equidade como um princípio estruturante das políticas educacionais, reconhecendo as modalidades como instrumentos para o reconhecimento das especificidades. A coordenadora ressaltou, contudo, dois grandes desafios: apenas para 42,6% dos estudantes da educação especial é ofertado o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e apenas cerca de 32% das escolas possuem sala de recurso multifuncional.
Articulação intersetorial e troca de experiências
Já a apresentação de Karolyne Ferreira e Kátia Cibas, respectivamente, especialista em advocacy e coordenadora de formação do Instituto Rodrigo Mendes, focou nos dados e desafios da acessibilidade infraestrutural nas escolas brasileiras, com um destaque especial para as Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) e a importância do financiamento e da articulação intersetorial.
Karolyne apontou, entre outros dados, que o percentual de escolas de educação básica sem nenhum item de acessibilidade (como banheiro adaptado, rampa, vão livre, corrimão, piso tátil, sinal visual, elevador, sinal tátil ou sonoro), caiu de 35%, em 2019, para 25%, em 2023. A especialista ressaltou que a acessibilidade é benéfica para todos, e não apenas para pessoas com deficiência, devendo ser pensada desde a criação dos prédios.
Kátia, por sua vez, compartilhou a experiência do Instituto Rodrigo Mendes com 10 municípios acompanhados por três anos, no âmbito do Projeto Alavancas, relatando dificuldades iniciais sobre financiamento e os programas federais de recursos nesses entes, que foram revertidas com formações e trocas de experiências entre eles, resultado, em 2024, na adesão a programas do governo federal e na obtenção de R$ 187 milhões por essas redes para ações especificamente voltadas à educação especial.
Kátia ressaltou, ainda, que as escolas, funcionários, comunidade e pais são quem melhor conhecem as necessidades locais, dando como exemplo um município que, após as discussões no âmbito da educação, começou a planejar a acessibilidade em todas as suas pavimentações de ruas e na compra de ônibus adaptados, demonstrando uma mudança de mentalidade.
Importância de dados fidedignos
Guilherme Lichand, professor de educação na Universidade de Stanford (EUA), abordou a limitação dos dados oficiais sobre deficiência no Brasil e a necessidade de adotar uma visão mais social da deficiência para identificar e atender efetivamente às necessidades dos estudantes.
Ele enfatizou que os dados disponíveis atualmente se baseiam majoritariamente em uma perspectiva médica da deficiência para identificar a necessidade de atendimento especializado, e defendeu a necessidade de uma mudança para uma visão social, por meio da qual se entende que a falta de acesso ao direito à educação pode ocorrer por questões não endereçadas, através de barreiras impostas pelo ambiente, e não apenas pela condições clínicas dos indivíduos. Como exemplo ele citou a dificuldade de um estudante de enxergar o quadro por falta de óculos, de ouvir o professor por falta de aparelho auditivo, ou de se locomover por falta de apoio motor, mesmo sem um laudo médico tradicional. Essa compreensão pode promover ações mais holísticas visando à garantia da aprendizagem de todos e todas.
O professor apresentou também dados de uma pesquisa representativa conduzida pelo Equidade.info (projeto em parceria com Stanford Lemann Center e Fundação Itaú), que revelou uma discrepância significativa: enquanto os dados oficiais (do Censo Escolar, mencionado por ele) apontavam 3,7% de alunos na educação especial, a pesquisa identificou que pelo menos 12,8% dos alunos brasileiros possuem deficiências sensoriais, motoras ou intelectuais.
Debate e encaminhamentos
Após as apresentações, o debate se centrou nos desafios de ampliação e qualificação da infraestrutura educacional na perspectiva da educação inclusiva, na preocupação com o financiamento da educação especial e a baixa execução de recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) por parte dos municípios – devido a dificuldades na prestação de contas e a sobrecarga dos gestores.
Houve um consenso sobre a importância da articulação intersetorial (educação, saúde, assistência social) para oferecer suporte integral aos estudantes e famílias, além de ter sido ressaltada a necessidade de formação continuada para professores e gestores e o acompanhamento das iniciativas legislativas para garantir que reforcem a inclusão, e não a segregação.
Entre as ações necessárias para avançar na pauta, definiu-se o seguinte:
1 – Promover o acesso dos municípios aos programas de transferência de recursos financeiros da União (para educação inclusiva) e a qualificação da prestação de contas referente a essas iniciativas;
2 – Promover a perspectiva do modelo social da deficiência, por meio de ações de comunicação, sensibilização e formação para os profissionais da educação, da qualificação do uso de laudos e um olhar sobre a judicialização do tema.
3 – Acompanhar as ações que visam à universalização das Salas de Recursos Multifuncionais nas escolas, aumentando o aporte financeiro por unidades de ensino e priorizando as que apresentam maior vulnerabilidade.
4 – Manter interlocução contínua com o Grupo de Trabalho sobre Educação Inclusiva e Infantil do MEC.
Retrato da Educação Infantil no Brasil tem data para começar
Segundo informações da Coordenadora Geral de Educação Infantil do MEC, Professora Rita Coelho, compartilhadas nesta reunião, a coleta de dados junto aos municípios terá início em 7 de julho, e será realizada por meio do SIMEC, como feito em 2024.
No ano passado, a pesquisa contou com a participação de 100% dos municípios brasileiros, e foi fundamental para apoiar o fortalecimento de iniciativas voltadas à garantia de vagas na etapa, como o Guia para Expansão Qualificada de Vagas na Educação Infantil, a Nota Técnica 01/2025 do Gaepe-Brasil – que versa sobre a importância da transparência e objetividade na divulgação da lista de espera por vagas em creches, bem como na priorização das populações mais vulneráveis, além de uma série de iniciativas do Ministério da Educação no sentido de apoiar a gestão municipal.
Na reunião, a Professora Rita Coelho destacou a importância do Guia, desenvolvido com apoio do MEC e de outras instituições e atores diversos, ao afirmar: “Esse guia é muito interessante para a elaboração do plano de expansão e fundamental para apoiar os municípios no planejamento. Estamos realizando seminários regionais em várias cidades, nos quais apresentamos esse guia de forma sintética, justamente para orientar os gestores municipais. Não adianta apenas levantar a demanda se não tivermos uma proposta clara de apoio aos municípios, e esse guia cumpre esse papel.”
Sobre o Gaepe-Brasil
O Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil) foi instalado em 21 de abril de 2021. Idealizada e coordenada pelo Instituto Articule, a iniciativa é operacionalizada em parceria com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB). Seu propósito é fomentar o diálogo e a cooperação entre gestores públicos, os órgãos de controle e do Sistema de Justiça, o Poder Legislativo e a sociedade civil, em busca de soluções para políticas públicas mais eficazes em ambiente de maior segurança jurídica. Sua atuação se pauta pelo Pacto Nacional pela Educação, um compromisso assumido pelos integrantes da governança em prol da melhoria da educação no país.