A revisão dos assuntos de educação nas Tabelas Processuais Unificadas (TPUs) do Poder Judiciário, implementadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela Resolução CNJ nº 46/2007, foi concluída no final de 2020 e em breve será implementada em todos os tribunais brasileiros.
Fruto de dois anos de intenso trabalho dos pesquisadores do Instituto Articule e, posteriormente, de uma parceria firmada com o CNJ, a revisão dos assuntos de educação nas TPUs propiciará ao Poder Judiciário e à sociedade maior conhecimento sobre os assuntos relacionados às ações do segmento da educação que tramitam na Justiça brasileira.
Segundo Alessandra Gotti, presidente-executiva do Instituto Articule: “O aprimoramento dos dados estatísticos das ações judiciais sobre educação foi finalizado e, agora, a metodologia inovadora, desenvolvida nos últimos dois anos, por uma equipe de especialistas e pesquisadores do Instituto Articule, será introduzida em todos os tribunais do país. Com dados estatísticos aperfeiçoados, o Poder Judiciário e a sociedade terão um observatório qualificado da judicialização da educação no país, que poderá ser usado para subsidiar a adoção de políticas públicas”.
INICIATIVA
A necessidade da revisão da taxonomia dos assuntos de educação foi identificada a partir de uma consultoria que Alessandra Gotti deu à Unesco e ao Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2015.
Por meio deste trabalho, foi constatada a importância desta revisão para dados mais precisos. “As palavras-chaves eram insuficientes para retratar todos os assuntos relacionados à educação que chegam ao Poder Judiciário. Por ilustrar, a palavra creche não era contemplada nas tabelas e, no entanto, a judicialização de ações para garantir acesso a essa etapa da educação infantil é expressiva nos municípios brasileiros”.
Para aprimorar esses dados fundamentais para subsidiar a adoção de políticas educacionais mais eficazes, Alessandra Gotti reuniu, em 2017, um grupo de especialistas e pesquisadores. A coordenação jurídica desse grupo foi feita por ela e por Nina Ranieri, professora associada do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP e coordenadora da Cátedra Unesco. Já a coordenação técnica por Júlio Trecenti, diretor técnico do Instituto Articule e secretário-geral da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ),
Em 2019 foi firmado termo de cooperação com o CNJ para o intercâmbio de informações voltadas ao aprimoramento das TPUs, no tocante aos assuntos relativos ao direito fundamental à educação.
TRABALHO MINUCIOSO
Foi um trabalho complexo e minucioso, que fora elaborado em cinco etapas:
Na primeira etapa, foi construída pelos especialistas e pesquisadores uma tabela primária com a identificação de mais de mil palavras-chaves. Dando a dimensão da complexidade de amplitude da revisão proposta, Nina Ranieri apontou “Como o tema é amplo, englobando todos os níveis educacionais (educação infantil básica e superior) e suas inúmeras variáveis (ensino público e privado, sistemas de ensino, educação de jovens e adultos, educação continuada, educação especial etc.), o desafio foi elencar os assuntos de forma que o conteúdo não fosse detalhado demais, nem superficial, mas suficiente para permitir a identificação correta das demandas educacionais levadas ao Judiciário. Além disso, foi preciso relacionar as normas legais pertinentes a cada um dos assuntos. A tarefa não foi simples: exigiu tempo, dedicação, inúmeras revisões e vários testes, quando da análise amostral de processos judiciais. O resultado, altamente compensador, demostrou que tanto a metodologia quanto o conteúdo, foram adequados ao objetivo principal, além de estimular a atuação de jovens estudantes e advogados na área do Direito Educacional”.
Na sequência, por meio de um acordo de cooperação celebrado com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foi extraída uma base de 63.000 processos judiciais digitalizados, de 2011 a 2019, com o objetivo de classifica-los com base na tabela primária, a partir da metodologia criada pelo Instituto Articule.
“Para chegarmos a uma precisão de 97% de nosso diagnóstico, foi definida a amostra de de 4.000 processos que, após anonimizada, fora classificada pelos pesquisadores a partir de um questionário que permitia a classificação da ação por assunto a partir das palavras-chaves previstas na tabela primária na fase um do projeto e por espécie de ação (individual ou coletiva)”, relata Alessandra Gotti.
Feita a classificação da mostra, foi possível refinar a tabela primária com base na relevância estática dos assuntos apurados e chegar a uma proposta final, que fora apresentada ao CNJ.
Júlio Trecenti esclareceu que o trabalho foi inovador e será importante para outras áreas do direito. “O projeto sobre taxonomia de assuntos na educação é muito relevante para a sociedade por dois motivos. O primeiro é que o trabalho classificou de forma adequada os assuntos dos processos relacionados ao tema, o que permite o monitoramento das ações para elaboração de boas políticas públicas. O segundo é que o trabalho utilizou uma metodologia de pesquisa inovadora, que pode ser reproduzida para outras áreas do direito, o que permite uma revisão contínua da tabela de assuntos com base no que se observa na realidade”.
AVANÇOS
A nova taxonomia dos assuntos de educação foi elogiada pela juíza auxiliar da presidência do CNJ e supervisora do Departamento de Pesquisas Judiciárias, Dra. Ana Lúcia Andrade de Aguiar.
“O aprimoramento das Tabelas Processuais Unificadas é fundamental para a correta identificação das ações em trâmite no país, uma vez que torna a estatística mais precisa”, disse.
Quando aperfeiçoadas, as informações poderão ser usadas não apenas pelo Sistema de Justiça para reflexão do seu padrão decisório, mas também por gestores públicos para o aprimoramento das políticas públicas educacionais.
A diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Gabriela Moreira de Azevedo Soares, complementou que: “A padronização da taxonomia das classes, assuntos e movimentação processual trouxe vários aprimoramentos, incluindo o detalhamento de direitos essenciais à vida humana, como educação e saúde”.
Promotora de Justiça no Rio Grande do Sul e membro da Comissão Permanente de Educação (Copeduc) do Grupo Nacional de Direitos Humanos, órgão do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, a Dra. Rosângela Corrêa da Rosa afirmou que a “implantação da taxonomia da educação é uma ação estruturante na defesa do direito à educação de qualidade e, não só contribuirá amplamente para a mensuração das atividades desenvolvidas na área da educação, como fornecerá padrões de comparação e de coleta de dados processuais e extraprocessuais”.
Destacou ela que “no Ministério Público, o aperfeiçoamento da taxonomia do direito à educação contribuirá para a demonstração da consistência e da efetividade do trabalho na área, com a extração de dados estatísticos mais detalhados e precisos de cada uma das unidades dos Ministérios Públicos da União e dos Estados e, inclusive, para a produção de diagnósticos e estudos essenciais à gestão estratégica da instituição em nível nacional”.
- Os avanços do trabalho foram também reiterados pelo promotor coordenador do Centro de Apoio Operacional de Educação no Ministério Público paulista, Dr. João Paulo Faustinoni e Silva, que integrou o grupo de especialistas que concluiu o projeto. “Creio ser muito importante o aperfeiçoamento da taxonomia acolhido pelo CNJ. Ressalto alguns aspectos: Destaque ao Direito à Educação com o direito fundamental e que, portanto, merece categorização específica e detalhada nas tabelas unificadas e no sistema de justiça;
- Vinculação das tabelas à moldura constitucional do direito à educação e seus princípios;
- Possibilidade de organização do acervo judicial e de pesquisa sobre os temas que são objeto de litígios frequentes, permitindo análises críticas e a adoção de estratégias extrajudiciais e de sociomediacão que permitam evitar o conflito e, colocando todos os atores (sistema de justiça, sociedade civil e judiciário, quando necessário) em diálogo em busca de soluções para a concretização dos direitos;
- A uniformização das categorias permite também ao gestor público identificar os principais temas em litígio para planejar políticas públicas a eles relacionadas”.
Por fim, o pesquisador e associado-efetivo do Articule, Arthur Paku Ottolini Balbani afirmou que a revisão das tabelas foi extremamente importante para que se realizem novos estudos sobre a judicialização do direito à educação, na medida em que se superou a falta de sistematização.
“Basta tomar como exemplo a antiga categoria de ‘estabelecimentos de ensino’, que englobava desde demandas envolvendo vagas em creche até discussões sobre Ensino Superior, o que esvaziava a efetividade da taxonomia”, explica ele.
“Com a nova TPU de Educação, e a adoção de níveis e subníveis com maior grau de especificidade, será possível identificar com maior precisão quais os gargalos e pontos de estrangulamento das demandas educacionais nos Tribunais, propiciando aos gestores um ferramental bastante útil para o desenvolvimento de estratégias para a diminuição da judicialização da educação”, disse Arthur, que ainda foi cauteloso: “É importante, porém, que fique bem claro que as TPUs, por si só, não são uma “fórmula mágica” que resolverá de pronto todos os problemas atinentes à judicialização. São elas um ferramental para classificação e análise, o qual, por si só, não produzirá resultados. É preciso que os acadêmicos e os gestores conheçam as TPUs, as compreendam e delas façam bom uso, para, assim, avançar na efetivação do direito à educação”.
RAIO “X” DA JUDICIALIZAÇÃO PAULISTA
O projeto piloto, realizado a partir de acordo de cooperação celebrado com o TJSP, permitiu fazer um raio “x” da judicialização da educação no Poder Judiciário paulista.
Os dados relevaram um perfil de litigância majoritariamente individual, já que mais de 98% são ações tutelam direitos individuais. Além disso, as ações versam sobretudo sobre o acesso à educação, sendo pouco expressivas as demandas relacionadas à qualidade da política pública educacional:
- 48% das ações são relativas à educação básica, buscam acesso a vaga na educação infantil, em especial em creches);
- 47% dizem respeito ao ensino superior, sendo que a grande maioria discute cobrança de mensalidades;
- há sazonalidade no ajuizamento das ações que são propostas majoritariamente no primeiro trimestre.
AS TABELAS PROCESSUAIS UNIFICADAS DO PODER JUDICIÁRIO
Com o objetivo de melhorar a administração da justiça e a prestação jurisdicional, o CNJ estabeleceu procedimentos a serem utilizados por todo Poder Judiciário. Entre eles, a uniformização das tabelas básicas de classificação processual, movimentação e fases processuais, assuntos e partes, com isso, cada novo processo recebe nomenclatura padrão para o procedimento utilizado.
As Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário visam à uniformização taxonômica e terminológica de classes, assuntos e movimentação processuais no âmbito da Justiça Estadual, Federal, do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça, a serem empregadas nos respectivos sistemas processuais.